(20) A presente diretiva e a Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho (3) são complementares.
Enquanto a presente diretiva estabelece regras aplicáveis a certos requisitos relativos aos contratos de fornecimento de conteúdos digitais ou à prestação de serviços digitais, a Diretiva (UE) 2019/771 estabelece regras aplicáveis a certos requisitos relativos aos contratos de compra e venda de bens.
Por conseguinte, a fim de corresponder às expetativas dos consumidores e de proporcionar aos profissionais de conteúdos digitais um regime jurídico simples e bem definido, a presente diretiva deverá ser igualmente aplicada aos conteúdos digitais fornecidos num suporte material, tais como os DVD, os CD, as chaves USB e os cartões de memória, bem como ao próprio suporte material, desde que tal suporte material funcione exclusivamente como meio de disponibilização de conteúdos digitais.
No entanto, em lugar da aplicação das disposições da presente diretiva relativas à obrigação de fornecimento do profissional e aos meios de ressarcimento ao consumidor em caso de não fornecimento, deverá aplicar-se o disposto na Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (4) sobre as obrigações relacionadas com a entrega de bens e os meios de ressarcimento em caso de incumprimento da entrega.
Além disso, as disposições da Diretiva 2011/83/UE sobre, nomeadamente, o direito de retratação e a natureza do contrato ao abrigo do qual são fornecidos os bens, deverão igualmente continuar a aplicar-se a tais suportes materiais e aos conteúdos digitais neles fornecidos.
A presente diretiva também não prejudica o direito de distribuição aplicável a tais bens nos termos da legislação em matéria de direitos de autor.
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(22) Em contrapartida, se a falta de conteúdos ou serviços digitais incorporados ou interligados não impedir os bens de desempenharem as suas funções ou se o consumidor celebrar um contrato de fornecimento de conteúdos ou serviços digitais que não faça parte de um contrato de compra e venda relativo a bens com elementos digitais, esse contrato deverá considerar-se distinto de um contrato de compra e venda dos bens, mesmo que o vendedor atue como intermediário nesse segundo contrato com o profissional terceiro, e poderá estar abrangido pelo âmbito de aplicação da presente diretiva.
Por exemplo, se o consumidor descarregar uma aplicação de jogo de uma loja de aplicações para um telemóvel inteligente, o contrato de fornecimento da aplicação de jogo é distinto do contrato de compra e venda do próprio telemóvel inteligente.
Por conseguinte, a Diretiva (UE) 2019/771 deverá apenas aplicar-se ao contrato de compra e venda do telemóvel inteligente, enquanto o fornecimento da aplicação de jogo poderá estar abrangido pela presente diretiva.
Outro exemplo é o caso em que é expressamente acordado que o consumidor compra um telemóvel inteligente sem um sistema operativo específico e posteriormente celebra com um terceiro um contrato para o fornecimento de um sistema operativo.
Nesse caso, o fornecimento do sistema operativo comprado em separado não faz parte do contrato de compra e venda e, por conseguinte, não é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva (UE) 2019/771, mas poderá estar abrangido pelo âmbito de aplicação da presente diretiva, caso se encontrem preenchidas as condições nela previstas.
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(24) Os conteúdos ou serviços digitais são, além disso, frequentemente fornecidos em situações em que o consumidor não paga um preço, mas faculta dados ao operador.
Esses modelos de negócios específicos aplicam-se já de diferentes formas numa parte considerável do mercado.
Embora reconhecendo plenamente que a proteção dos dados pessoais é um direito fundamental e que, por conseguinte, os dados pessoais não podem ser considerados um produto de base, a presente diretiva deverá assegurar que os consumidores gozem, no contexto desses modelos de negócio, do direito a meios de ressarcimento ao abrigo do contrato.
Por conseguinte, a presente diretiva deverá ser aplicável aos contratos em que o profissional fornece ou se compromete a fornecer conteúdos digitais ou a prestar serviços digitais ao consumidor e este fornece ou compromete-se a facultar dados pessoais.
Os dados pessoais podem ser facultados ao profissional no momento em que o contrato é celebrado ou posteriormente, como nos casos em que o consumidor dá o seu consentimento para que o profissional utilize os dados pessoais eventualmente carregados ou criados pelo consumidor no âmbito da utilização dos conteúdos ou serviços digitais.
O direito da União em matéria de proteção de dados pessoais prevê uma lista exaustiva dos fundamentos jurídicos para o tratamento lícito de dados pessoais.
A presente diretiva deverá aplicar-se a todo e qualquer contrato em que o consumidor faculta ou se compromete a facultar dados pessoais ao operador.
Por exemplo, a presente diretiva deverá aplicar-se aos casos em que o consumidor abre uma conta nas redes sociais e indica um nome e um endereço de correio eletrónico que são utilizados para outros fins que não apenas o fornecimento de conteúdos ou serviços digitais ou o cumprimento dos requisitos legais.
Deverá igualmente aplicar-se sempre que o consumidor dê o seu consentimento relativamente a todo o tipo de material que constitua dados pessoais, como fotografias ou mensagens que irá carregar, posteriormente processado pelo profissional para fins de comercialização.
No entanto, os Estados-Membros deverão continuar a ser livres de determinar se estão preenchidos os requisitos previstos pelo direito nacional para a formação, existência e validade de um contrato.
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(28) Tem vindo a verificar-se uma rápida evolução do mercado dos serviços de comunicações interpessoais independentes do número que não estão ligados a recursos de numeração atribuídos publicamente.
Nos últimos anos, a emergência de novos serviços digitais que permitem a comunicação interpessoal através da Internet, como o correio eletrónico através da Internet e os serviços de mensagens em linha, levou mais consumidores a utilizarem esses serviços.
Por estas razões, é necessário dispor uma proteção do consumidor eficaz no que diz respeito a estes serviços.
A presente diretiva deverá, por conseguinte, ser igualmente aplicada aos serviços de comunicações interpessoais independentes do número.
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(29) A presente diretiva não deverá ser aplicável aos cuidados de saúde, tal como definidos na Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (5).
A exclusão dos «cuidados de saúde» do âmbito de aplicação da presente diretiva deverá, por conseguinte, aplicar-se também a quaisquer conteúdos ou serviços digitais que constituam um dispositivo médico, na aceção da Diretiva 93/42/CEE (6) ou da Diretiva 90/385/CEE (7) do Conselho ou da Diretiva 98/79/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (8), sempre que esse dispositivo médico seja prescrito ou fornecido por um profissional de saúde, tal como definido na Diretiva 2011/24/UE.
No entanto, a presente diretiva deverá aplicar-se a todo e qualquer conteúdo ou serviço digital que constitua um dispositivo médico, como, por exemplo, aplicações de saúde, que possa ser obtido pelo consumidor sem prescrição ou fornecimento por um profissional de saúde.
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(30) O direito da União relativo aos serviços financeiros inclui inúmeras regras de defesa do consumidor.
Os serviços financeiros, tal como definidos no direito aplicável a esse setor, nomeadamente na Diretiva 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (9), incluem também os conteúdos ou serviços digitais relacionados com os serviços financeiros ou que a estes dão acesso, pelo que estão cobertos pela proteção conferida pelo direito da União em matéria de serviços financeiros.
Os contratos relacionados com conteúdos ou serviços digitais que constituem um serviço financeiro deverão, por conseguinte, ficar excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva.
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(37) O exercício das atividades abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva pode implicar o tratamento de dados pessoais.
O direito da União proporciona um quadro abrangente de proteção dos dados pessoais.
Em especial, a presente diretiva não prejudica o Regulamento (UE) 2016/679 (12) e a Diretiva 2002/58/CE (13) do Parlamento Europeu e do Conselho.
O referido regime jurídico é aplicável a quaisquer dados pessoais tratados no âmbito dos contratos abrangidos pela presente diretiva.
Por conseguinte, os dados pessoais só deverão ser recolhidos ou sujeitos a qualquer outro tipo de tratamento nos termos do Regulamento (UE) 2016/679 e da Diretiva 2002/58/CE.
Em caso de conflito entre a presente diretiva e o direito da União em matéria de proteção de dados pessoais, deverá prevalecer este último.
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(44) Uma vez que os conteúdos digitais e serviços digitais estão em constante evolução, os profissionais podem acordar com os consumidores o fornecimento de atualizações e características à medida que estas ficarem disponíveis.
Por conseguinte, a conformidade dos conteúdos ou serviços digitais deverá também ser avaliada em relação à atualização dos mesmos de acordo com o estipulado no contrato.
A não disponibilização de atualizações que tenham sido acordadas no contrato deverá ser considerada uma falta de conformidade dos conteúdos ou serviços digitais.
Além disso, as atualizações defeituosas ou incompletas deverão também ser consideradas uma falta de conformidade dos conteúdos ou serviços digitais, visto que tal significaria que essas atualizações não são executadas de acordo com o estipulado no contrato.
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(48) O Regulamento (UE) 2016/679 ou quaisquer outras disposições do direito da União em matéria de proteção de dados deverão ser plenamente aplicáveis ao tratamento de dados pessoais ligado aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente diretiva.
Além disso, a presente diretiva não deverá prejudicar os direitos, obrigações e meios de ressarcimento não contratuais previstos no Regulamento (UE) 2016/679.
Os factos que estão na origem da falta de conformidade com os requisitos previstos no Regulamento (UE) 2016/679, incluindo os princípios fundamentais, tais como os requisitos aplicáveis à minimização de dados, à proteção de dados desde a conceção e à proteção de dados por defeito, podem, em função das circunstâncias específicas do caso, ser também considerados como uma falta de conformidade dos conteúdos ou serviços digitais com os requisitos subjetivos ou objetivos de conformidade estabelecidos pela presente diretiva.
Um exemplo disso poderá será o caso de um profissional que assuma expressamente uma obrigação contratual, ou a mesma resulta da interpretação do contrato neste sentido, que esteja também ligada às obrigações do profissional previstas no Regulamento (UE) 2016/679.
Neste caso, um tal compromisso contratual pode passar a fazer parte dos requisitos subjetivos de conformidade.
Uma segunda categoria poderá incluir os casos em que um incumprimento das obrigações decorrentes do Regulamento (UE) 2016/679 poderá, ao mesmo tempo, acarretar a inaptidão dos conteúdos ou serviços digitais para o fim a que se destinam e, por conseguinte, constituir uma falta de conformidade com o requisito objetivo de conformidade, o qual exige a adequação dos conteúdos ou serviços digitais à finalidade para a qual os conteúdos ou serviços digitais com a mesma descrição seriam, normalmente, utilizados.
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(57) Os conteúdos ou serviços digitais podem também ser fornecidos aos consumidores de forma contínua durante um determinado período.
O fornecimento contínuo pode incluir casos em que o profissional disponibiliza um serviço digital aos consumidores por um período fixo ou indeterminado, como no caso de um contrato de armazenagem em nuvem de dois anos, ou a adesão por tempo indeterminado a uma plataforma nas redes sociais.
O elemento distintivo desta categoria consiste no facto de os conteúdos ou serviços digitais só estarem disponíveis ou acessíveis aos consumidores durante o período fixo do contrato ou enquanto o contrato por tempo indeterminado estiver em vigor.
Por conseguinte, justifica-se que, em tais casos, o profissional só deverá ser responsável por uma falta de conformidade que se manifeste durante esse período.
O elemento de fornecimento contínuo não deverá necessariamente implicar um fornecimento a longo prazo.
Casos como a transmissão via Internet de um videoclipe deverão ser considerados como um fornecimento contínuo durante um determinado período, independentemente da duração efetiva do ficheiro audiovisual.
Os casos em que determinados elementos específicos dos conteúdos ou serviços digitais são disponibilizados periodicamente ou em várias ocasiões durante o período fixo do contrato ou enquanto o contrato por tempo indeterminado estiver em vigor também deverão ser considerados um fornecimento contínuo durante um determinado período, como nos casos em que o contrato estipule que uma cópia de software antivírus pode ser utilizada durante um ano e que será automaticamente atualizado no primeiro dia de cada mês do período em questão, ou que o profissional procederá a atualizações sempre que se tornem disponíveis novas funcionalidades de um jogo digital, e que os conteúdos ou serviços digitais estejam disponíveis ou sejam acessíveis aos consumidores apenas durante o período fixo do contrato ou enquanto o contrato por tempo indeterminado estiver em vigor.
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(59) Em razão da natureza específica e do elevado nível de complexidade dos conteúdos e dos serviços digitais, bem como do facto de o profissional ter um conhecimento mais profundo e acesso ao saber-fazer, às informações técnicas e à assistência em alta tecnologia, o profissional é suscetível de se encontrar numa melhor posição do que o consumidor para identificar as razões pelas quais os conteúdos ou serviços digitais não foram fornecidos ou não estão em conformidade.
O profissional é também suscetível de se encontrar numa melhor posição para identificar se a falta de fornecimento ou de conformidade se deve à incompatibilidade do ambiente digital do consumidor com os requisitos técnicos dos conteúdos ou serviços digitais.
Por conseguinte, embora, em caso de litígio, caiba ao consumidor demonstrar que os conteúdos ou serviços digitais não estão em conformidade, o mesmo não deverá ter de demonstrar que a falta de conformidade ocorria no momento do fornecimento dos conteúdos ou serviços digitais ou, no caso de fornecimento contínuo, durante o período de vigência do contrato.
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(61) Sempre que o profissional não fornecer os conteúdos ou serviços digitais, o consumidor deverá solicitar ao profissional o seu fornecimento.
Nesses casos, o profissional deverá agir sem demora indevida, ou num um prazo adicional consoante expressamente convencionado entre as partes.
Tendo em conta que os conteúdos ou serviços digitais são fornecidos em formato digital, na maioria dos casos o fornecimento não deverá criar a necessidade de fixar um prazo adicional para a sua disponibilização ao consumidor.
Por conseguinte, em tais casos, a obrigação que recai sobre o profissional de fornecer os conteúdos ou serviços digitais sem demora indevida deverá determinar o fornecimento imediato.
Caso o profissional não forneça os conteúdos ou serviços digitais, o consumidor deverá ter direito à rescisão imediata do contrato.
Em circunstâncias específicas, como nos casos em que é claro que o profissional não irá fornecer os conteúdos ou serviços digitais ou em que é essencial para o consumidor que o fornecimento ocorra dentro de um prazo específico, o consumidor deverá ter o direito de rescindir o contrato sem que primeiro tenha de solicitar ao profissional que forneça os conteúdos ou serviços digitais.
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(68) Caso o consumidor rescinda o contrato, o profissional deverá reembolsar o preço pago pelo consumidor.
No entanto, afigura-se necessário equilibrar os interesses legítimos dos consumidores e dos profissionais nos casos em que os conteúdos ou serviços digitais sejam fornecidos durante um determinado período e em que os conteúdos ou serviços digitais estavam em conformidade apenas durante parte desse período.
Por conseguinte, após a rescisão, o consumidor só deverá ter direito à parte proporcional do preço pago correspondente durante o qual os conteúdos ou serviços digitais não estiveram em conformidade.
O consumidor deverá também ter direito a qualquer parte do preço pago antecipadamente relativa ao período remanescente após a rescisão do contrato.
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(73) O princípio da responsabilidade do profissional por danos é um elemento fundamental dos contratos relativos ao fornecimento de conteúdos ou serviços digitais.
Por conseguinte, o consumidor deverá ter direito a exigir o ressarcimento dos prejuízos causados por uma falta de conformidade ou pelo não fornecimento dos conteúdos ou serviços digitais.
O ressarcimento deverá repor o consumidor, tanto quanto possível, na posição em que estaria caso os conteúdos ou serviços digitais tivessem sido devidamente fornecidos e estivessem em conformidade contrato.
Uma vez que a existência do direito a indemnização está já assegurada em todos os Estados-Membros, a presente diretiva não deverá prejudicar as regras nacionais em matéria de ressarcimento dos consumidores por danos resultantes da violação dessas regras.
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(78) A falta de conformidade dos conteúdos ou serviços digitais fornecidos ao consumidor deve-se, com frequência, a uma das transações na cadeia, desde o criador original até ao profissional final.
Embora o profissional final seja responsável perante o consumidor em caso de falta de conformidade, é importante garantir que o profissional dispõe de direitos adequados relativamente aos diferentes membros da cadeia contratual, a fim de poder assumir a responsabilidade perante o consumidor.
Tais direitos deverão ser limitados às transações comerciais.
Por conseguinte, não deverão abranger situações em que o profissional é responsável perante o consumidor pela falta de conformidade dos conteúdos ou serviços digitais compostos ou desenvolvidos em software que tenha sido fornecido sem o pagamento de uma quantia, ao abrigo de uma licença de acesso livre e gratuito, por uma pessoa em estádios anteriores da cadeia contratual.
Não obstante, caberá aos Estados-Membros, nos termos do direito nacional aplicável, identificar os sujeitos da cadeia contratual contra quem o profissional final poderá atuar e as modalidades e condições de tal atuação.
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(83) Os consumidores deverão poder beneficiar dos direitos que lhes são conferidos pela presente diretiva assim que as correspondentes disposições nacionais de transposição comecem a ser aplicáveis.
Por conseguinte, as disposições nacionais de transposição também deverão ser aplicáveis a contratos por tempo indeterminado ou a termo certo celebrados antes da data de aplicação, e que disponham o fornecimento de conteúdos ou serviços digitais durante um determinado período, quer continuamente, quer através de uma série de atos individuais de fornecimento, mas apenas no que diz respeito aos conteúdos ou serviços digitais que sejam fornecidos a partir da data de aplicação das disposições nacionais de transposição.
No entanto, e a fim de assegurar um equilíbrio entre os interesses legítimos dos consumidores e dos profissionais, as disposições nacionais de transposição da presente diretiva relativas à alteração dos conteúdos ou serviços digitais e o direito de regresso apenas deverão ser aplicáveis aos contratos celebrados após a data de aplicação nos termos da presente diretiva.
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